A Campana
vai trazer 01 a 25 de julho de 2019, a memória
histórica escrita por várias mãos de 25 mulheres que se destacaram nas questões
raciais e na luta pela igualdade de direitos. A cada dia o Núcleo de Igualdade
Racial do Grupo Mulheres do Brasil irá soltar um Post com uma dessas 25
mulheres mais votadas no Núcleo. Pois somos muitas espalhadas na América
Latina. Aqui estão algumas referências, mas você pode buscar mais a partir
do nome destas companheiras.
"Elza Soares: você precisa conhecer a
história dessa guerreira"
contando
a história dessa mulher que é muito mais do que uma cantora. É uma
sobrevivente!
Por Júlia Warken
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ago 2017, 16h01 - Publicado em 23 jun 2017, 00h01
(Elza
Soares/Divulgação)
O nome
de Elza Soares é reconhecido nacionalmente há
muitas décadas. Dona de uma voz potente, começou a cantar com o pai aos cinco
anos, e o talento para a música foi reconhecido desde cedo. Aos 13 anos, ela
deixou Ary Barroso de queixo caído, no consagrado programa de
calouros da Rádio Tupi – era a primeira
vez que cantava em público.
“Senhoras
e senhores, nesse exato momento acaba de nascer uma estrela”, disse o
apresentador na época, minutos depois de ter zombado de Elza por causa da
maneira como estava vestida. Olhando para aquela garota pobre de tudo, Ary
perguntou de que planeta Elza havia vindo. A plateia gargalhou imediatamente,
mas calou-se assim que ouviu a resposta: “Vim do planeta fome”.
Infelizmente, Ary estava enganado
ao dizer que uma estrela nascia naquele dia. Isso porque a família de Elza foi
contra sua carreira artística, mesmo que isso pudesse aplacar a pobreza em que
viviam.
E era
pobreza de verdade! Ela nasceu na favela carioca de Moça Bonita (atual Vila
Vintém), em 23 de junho de 1930. Aos 12 anos foi forçada a se
casar e com 13 já era mãe. Apresentou-se na Rádio Tupi escondida, na
esperança de conseguir dinheiro para salvar o filho doente, que veio a falecer
logo depois.
Com meros 21 anos, Elza já havia
velado dois filhos e também o primeiro marido. Nessa época o desespero foi
grande, pois ela tinha cinco crianças para criar e não trabalhava fora. Mas em
meio à tragédia, surgia uma luz: ao ficar viúva, Elza finalmente conseguiu
aventurar-se no meio artístico.
E, como sabemos, essa empreitada
acabou dando certo. A rouquidão característica transformou Elza em uma artista
singular no cenário nacional. Seu legado é tão notório que a BBC de Londres a
elegeu como a cantora do milênio, em 2000.
Leia
mais: 20 mulheres brasileiras que fizeram história
Só que, infelizmente, o
imaginário popular não faz jus à história dessa grande guerreira. Durante
décadas, Elza precisou viver sob o rótulo de “a amante que acabou com o
casamento de Garrincha” e, mais recentemente, passou a ser conhecida como uma
mulher que fez plásticas demais.
Quanto à história com Garrincha,
a cantora viveu um verdadeiro pesadelo. O jogador era endeusado nos anos 1960,
quando o relacionamento dos dois começou e ele ainda estava casado. Elza, por
sua vez, estava em início de carreira. Aí não é preciso ser um gênio para
imaginar quem a sociedade crucificou na época. A cantora chegou a ser ameaçada
de morte, sofria ataques na rua e era hostilizada também pelos amigos do
atleta.
Mesmo assim, os dois se casaram,
tiveram um filho e ficaram juntos por mais de 15 anos. E a razão do término
representou um novo drama na vida de Elza: longe dos gramados, Garrincha
tornou-se alcoólatra e violento com a esposa. Ela apanhou diversas vezes e
chegou a ter os dentes quebrados numa ocasião. Na época, sofreu calada.
Somente
em 2015, conseguiu exorcizar a dor de ter sido vítima de violência doméstica e, através da música Maria da Vila Matilde, vocifera: “cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim”. A
canção rapidamente tornou-se um hino no movimento feminista e, sempre que a
interpreta em shows e programas de TV, Elza convoca vítimas a denunciarem seus
agressores.
Maria
da Vila Matilde faz
parte de um álbum poderoso que, não por acaso, se chama A Mulher do Fim do Mundo. A obra é um verdadeiro
manifesto autobiográfico que se propõe a dizer: “senhoras e senhores, vocês
estão diante de uma sobrevivente”.
E não há
palavra melhor para definir Elza Soares: sobrevivente. Essa é
uma senhora de 87 anos, castigada pela vida de todas as formas. Encarou de
frente a fome, a pobreza, o casamento na infância, o ódio das massas, a ditadura
(ela e Garrincha exilaram-se na Europa por anos), a morte de quatro dos seus
sete filhos, a violência doméstica e – como se não bastasse – um terrível
problema de coluna na velhice.
Só o fato de estar viva já é
notável e mais impressionante ainda é ver que Elza se recusa a parar quieta. No
palco, precisa ficar sentadinha e o fôlego às vezes lhe falta. Mesmo assim, a voz
ainda é poderosa – tal qual o espírito dessa mulher inacreditavelmente forte.
Como ela
diz na canção que batiza seu disco mais recente: “Eu quero cantar até o fim. Me deixem cantar até o fim”.
E a gente responde: não precisa pedir permissão, rainha. É um privilégio enorme
continuar ouvindo a sua voz!
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